quarta-feira, 8 de agosto de 2018

O MANÍACO DA FOICINHA

Semanas antes do Natal é comum -nas casas do ocidente- famílias ornamentarem suas casas com presépios ou árvores de Natal. Seguindo esta tradição minha esposa tem o hábito de montar uma árvore de Natal um pouco mais sofisticada. Além de ornamentar um vaso com uma pequena árvore de aproximadamente dois metros e meio com diversos tipos de bolas natalinas, pisca-piscas, anjinhos, lacinhos, papai-noel e todo tipo de adereços que contribuem para abrilhantar o Natal. Além disso, ela tem o costume de fincar entre a árvore dois bambus inclinados em forma de V. Bambus do ano anterior não servem para ornamentar a árvore no ano seguinte, pois eles devem estar verdes- esta cor contrasta com as fitas vermelhas e douradas que são enroladas ao redor dos mesmos fazendo a árvore ficar semelhante àqueles antigos guerreiros com duas armas embainhadas às costas. Como sempre eu sou o contemplado a providenciar estes dois pedaços de bambu de aproximadamente dois metros de altura. É costume de minha esposa montar esta árvore aos sábados. Então em uma tarde de sábado extremamente nublada e com uma chuva que provavelmente cairia dentro de uma hora aproximadamente e, apesar de estar armando um temporal, não me intimidei. Vesti uma de minhas roupas mais velhas e como era sábado eu ainda não tinha feito a barba e já se passavam mais de quinze dias, meu cabelo estava passando da hora de cortar há meses. Assim dei início a esta empreitada: localizar, cortar no tamanho adequado e trazer para casa os dois pedaços de bambu. Para ter êxito nesta tarefa levei comigo uma velha companheira de meus tempos de criança - e até mesmo em minha adolescência- uma pequena foice que com o cabo que tinha a medida da ponta de minha mão até meu cotovelo, com a qual em tempo passado eu embrenhava na mata a procura de lenha. Portanto eu conhecia sua eficiência para a realização da tarefa a mim proposta. E lá fui ao encontro da tempestade à procura do bambu. A distância de minha casa até o bambuzal era de, aproximadamente, mil e duzentos metros que seriam de minha casa até a uma estrada de terra que me levaria ao bambuzal. Como estava armando chuva não me preocupei com minha aparência –semelhante a um mendigo com uma pequena foice na mão. Chegando ao próximo bambuzal percebi que teria trabalho, pois chovera na noite anterior e o ribeirão estava um pouco cheio e com a água turva. Para chegar aos bambus eu tinha que atravessar o ribeirão saltando as pedras que se encontravam em seu interior. Apesar de não ser profundo, era sempre melhor ir pelas pedras. Assim, fui com a foicinha na mão, saltitando de pedra em pedra para alcançar a outra margem e cortar o bambu. Ao saltar a última pedra escorreguei e cai dentro d´água já na margem oposta e quase perdi o chinelo do pé direito. Enfim na margem, era só escolher o bambu e cortá-lo, em seguida, separar os dois pedaços e voltar para casa. Terminado o trabalho -já retornando para casa com os dois pedaços de bambu- percebi que a tempestade se aproximava e não daria tempo de chegar em casa antes que ela desabasse. Para evitar transtornos optei por retornar por outro caminho que era o mais visado pois, era uma rua asfaltada, portanto como a chuva já estava começando, não havia ninguém na rua para observar e censurar aquele mendigo com dois pedaços de bambu. Como estava um temporal e o meu trabalho dificultou muito, resolvi me abrigar debaixo da marquise e um pequeno condomínio próximo à garagem do prédio deixando os bambus próximos à calçada. De repente desceu uma forte enxurrada levando os bambus ladeira abaixo tirando-me do conforto e forçando-me a correr na chuva ao encalço dos mesmos. Retornando novamente ao meu abrigo tomei a providência de tentar esconder a foicinha, qualquer pessoa que não me conhecesse poderia achar que eu era uma marginal. Preferi cruzar os braços e ocultá-la debaixo de meu braço direito. Eis que subitamente o portão do condomínio se abre e sai um carro de marcha ré. Neste momento fiquei apavorado porque com certeza a pessoa que estava dentro daquele carro não me conhecia e ficaria assustadíssima ao perceber minha presença naquele lugar. Era uma senhora que ao me ver, acelerou o carro e parou no meio da rua e, em seguida, ela tentara dar partida no carro por três vezes e não conseguiu de tão apavorada que estava. Na quarta vez, assim que ela conseguiu dar partida no carro, desceu a rua em alta velocidade. Rapidamente eu peguei os dois bambus e a foicinha e subi o morro em direção a minha casa temendo que aquela senhora chamasse a polícia para me pedir satisfação do motivo de eu estar naquele lugar com uma foice escondida entre os braços. Quando eu estava no topo do morro já dobrando a esquina, virei para traz e pude perceber aquele mesmo carro da senhora -em alta velocidade -entrar novamente no condomínio. Assim fui para casa matutando: aquela senhora com certeza havia deixado uma criança e, quando ela se deu conta, resolveu voltar para casa para proteger seu ente querido do maníaco da foicinha- o qual era apenas um simples professor que estava com o cabelo e a barba por fazer e que estava em trajes aos farrapos porque se embrenhara na mata para cortar bambu para a esposa fazer sua árvore de natal. Pedro Luiz Gonzaga

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